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 Para uma Semiótica do corpo

  [ Maria Augusta Babo ] *

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> O Corpo: soma ou sema

> A corporeidade na perspectiva fenomenológica

> O Corpo enquanto pele

> O corpo e as suas próteses

> Como mudar de corpo

> Marcações do/no corpo

> Espectacularização do corpo

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Como mudar de corpo

A questão que se coloca actualmente ao corpo parce ser portanto de uma outra ordem. Não se trata já de descrever, de aceitar, de interpretar os limites do corpo, ou sequer de falar do corpo como matéria imutável na sua forma, mas antes, como refere Bernard Andrieu, de se perguntar "como mudar de corpo?". É que, a partir do século XX, a questão que se coloca ao corpo não estará mais assente na sua natureza supostamente imutável, "a definição do corpo humano deixa de ser definitiva: podendo agir sobre os genes, e não unicamente sobre o soma, o património genético que até então era herança transmitida pela família, é posto em causa pela acção da ciência". Na verdade o que se exige hoje é um corpo mutante onde a manipulação genética e a transfiguração do corpo provocam uma verdadeira ruptura no corpo dito natural que deixa de ser assumido como destino. Quer isto dizer que o sujeito deixa de ter de se sujeitar ao seu corpo, podendo, pela primeira vez, modificar-lhe quer a imagem quer a natureza. O corpo como lugar do sujeito passa a ser um corpo fabricado, senão moldado, não somente pelo vivido como pelas intervenções de vária ordem que nele se podem operar. A noção de destino aplicada ao corpo é asim substituída pela de devir carne-subjectivada.

Os dispositivos-extensão têm eles próprios raízes em todo um imaginário maquínico que faz aparecer as máquinas simuladoras das várias performances do humano. Mas o que se passa é que o corpo protésico, uma simbiose do orgãnico e do maquínico, dá lugar a um corpo outro, onde deixa de fazer sentido por exemplo a oposição natureza/cultura. Tibon-Cornillot chama a este processo que se enceta com múltiplos efeitos, desde a bomba atómica ao foguetão e ao satélite, a "mecanização do vivo", que institui uma certa dependência do corpo a dispositivos que a ele aderem e se incorporam, transformando ou transfigurando o próprio material genético. Esta nova "natureza biológica", como lhe chama, é constituída de objectos "racionais-vivos" ou "artificiais-vivos" que novos campos do saber como as ciências informáticas, as ciências cognitivas ou a biologia genética estudam. Segundo ele, e ao contrário daquilo que se passaria com as técnicas ancestrais na sua relação com o corpo, o corpo humano actual está fortemente exposto a transmutações. Enquanto que ao longo da história o desenvolvimento técnico manifestado na produção de utensílios mantinha-os relativamente destacados do corpo, não-incorporados, portanto, o que permitia garantir uma certa disponibilidade e liberdade do corpo, o que acontece hoje em dia, segundo o autor, é uma relação outra que a técnica estabelece com o corpo: o desenvolvimento vertiginoso da técnica não coincide com a estabilização do corpo humano: "diferentes das ciências na sua finalidade e relação com o corpo humano, encarregadas de preservar a integridade da espécie, desde os tempos mais remotos, actualmente as técnicas participam de forma privilegiada na sua transformação" (ibid, p.288).

 

 

 

20 - in, Les cultes du corps - éthique et sciences, Paris, Harmattan, 1994, p.20.

21 - in, Les corps transfigurés: mécanisation du vivant et imaginaire de la biologie, Paris, Seuil, 1992, p.231.