A Pátria e o Corpo das PalavrasEncorajado por uma tal demonstração da potência da razão (encontrada na
matemática), o impulso de ampliamento não vê limites. A leve pomba, quando em livre
vôo fende o ar, cuja resistência ela sente, poderia formar-se a representação de que
no vácuo ela teria melhor êxito. Assim abandonou Platao o mundo dos sentidos, porque
este põe limites muito estreitos ao entendimento, e se aventurou para além deles, sobre
as asas das idéias, no espaço vazio do entendimento puro
Motivo em A.S.
Debuisson na Jamaica
Entre peitos negros
Em Paris Robespierre
Com o queixo partido.
Ou Joana d'Arc quando o anjo não apareceu
No fim os anjos nunca aparecem
DANTON MONTE DE CARNE NÃO PODE DAR À RUA CARNE
VEDE VEDE AFINAL A CARNE NA RUA
CAÇA AO VEADO NOS SAPATOS AMARELOS
Cristo. O diabo mostra-lhe as riquezas do mundo
RENEGA A CRUZ E TUDO SERÁ TEU
Em tempo de traição
São belas as paisagens (1961)
Em seu monólogo final em Der Auftrag, a personagem Debuisson afirma que a poesia
é a "linguagem da inutilidade", pois a História - da qual se distancia -,
"sempre atinge a linha de chegada sobre corcéis mortos". Em um tempo de
restauração, a própria beleza parece se exilar naquele continente remoto sem
paráfrase, para o qual partirá num navio-fantasma, fracassada a missão do Diretório na
Jamaica depois do 18 Brumário. Para o médico jacobino, o parto revolucionário fora um
natimorto, como a luz errante de estrelas já extintas. "No tempo da traição, as
paisagens são belas" anotava Müller ironicamente em 1961, pois os anjos não
costumam aparecer nestas ocasiões.
Somente no instante da peripécia para a farsa, Debuisson perceberá
finalmente o quanto a ilha era bela, e neste limiar de sublime, entre o histórico e o que
escapa à tessitura de sua prosa, entrega-se num mergulho em direção ao pólo. Na
geometria interna do texto, este movimento obedece a um sentido horizontal, num
afrouxamento do devir como diferença, cristalizando-se em paisagem sem legibilidade.
Der Mann im Fahrstuhl, no epicentro de Der Auftrag, é
quase uma ilha à deriva na obra de Müller, e indica de fato um deslocamento vertical que
se opõe ao movimento anterior: a reversibilidade entre tempo e espaço instaurada pelo
monólogo inverte o sentido da escolha de Debuisson pela "Beleza" e seu exílio;
se Debuisson afasta-se horizontalmente, no emudecimento progressivo da natureza, a
aceleração temporal centrífuga do elevador desafia, na primeira parte do monólogo, a
própria gravidade e estabelece uma zona de inércia temporal. O mergulho é uma implosão
seqüencial; a própria sintaxe acelerada e ofegante da fala acompanha este
enlouquecimento do relógio de pulso até que a porta se abra e, então, já nos primeiros
passos da personagem pela aldeia peruana, desacelera-se o fluxo do texto e uma nova
respiração se instaura. Este é um dos instantes mais luminosos da dramaturgia de Heiner
Müller. É possível quase sentir no ponto final que encerra a descida - e a também a
longa frase, quando a porta/labirinto deste elevador se abre -, a liberação de uma nova
energia, que se traduz na personagem como um suspiro profundo e compaixão.
Como observa com extrema precisão o critico português José Bragança
de Miranda, o núcleo de força do qual se origina este movimento contém uma
"promessa histórica" que não pode cumprir-se na imanência deste processo e
está além da capacidade regenerativa das continuidades de superfície e a obra de Heiner
Müller indicaria desta forma uma "resistência" contra a gravidade física do
movimento. E da chama e do desejo desta História consumida restem-nos apenas suas
"cinzas", eu diria, o fantasma da racionalidade que se inscreve em seu projeto
como uma ilusão necessária que de fato Debuisson nunca traiu: "a Paz. os Negócios,
o Mercado, o Mundo" sãos os vestígios desta implosão. Para o jacobino Debuisson,
uma escolha existencial na forma do "céu da beleza", "máscara da
traição", rubro e úmido como gozo arcaico. Mas a chave deste texto secreto,
confidenciado pelo "Número Um", sua superdeterminação sentida como
ausência, enfim, a legibilidade da Missão são a chave de latão das parábolas de
Kafka, diante das quais insistimos inutilmente, ou, nas palavras de Müller, esta inércia
do movimento, de fato, da luminosidade e do desejo que o alimentam, surge a
impossibilidade crescente do real como um olhar de despedida do amanhã. Se a arte é
tributária dos sentidos, ela lida com aquilo que é real apenas uma única vez, para
então tornar-se eternamente possível e virtual. Pois é o corpo e a materialidade desta
História que desaparecem sem vestígios, desenhando sua virtualidade naquele outro
território interdito que o olhar de Urânia buscava iluminar. É preciso também eliminar
qualquer metafísica sobre Heiner Müller e se perguntar o que significa esta
"diferença", este "outro", que é de fato o mesmo, produto
necessário da mesma matriz lógica, do mesmo entendimento, das mesmas categorias, pois no
caminho do antípoda, há ainda este resíduo ilusório na forma de uma locomotiva
desterrada de uma paisagem De Chrico, de uma funcionalidade linear da primeira
industrialização. Como em Hölderlin, sem o corpo das palavras, esta capacidade de
decifração de nossa experiência perdeu-se na História, está sempre aquém, nunca
além desta, e somente nela poderia ser recuperada.
A intensidade estrelada de Der Auftrag, quase um sentimento de
orfandade, decorre de um "fading" luminoso da grande Revolução Solar, o
zênite republicano da História, epílogo de suas paixões, prolongando-se até o
presente como pura negatividade. O texto esquecido desta História nos meandros da
memória que a alimenta é a motricidade vazia da fênix imaginária de Kant no solo do
transcendental e suas significações, mas sua potência de posse não alcança
preenchimento, é preciso renunciar à ilusão deste vôo, como Debuisson
"renuncia" ao seu "mandato". Debuisson e a personagem do monólogo
são dois momentos distintos da mesma renúncia a este mandato fantasma, um prefigura o
outro e o encontro entre ambos, a entrega na forma do desnudamento progressivo, terno,
gravata, e casaco é o nascimento de um novo corpo:
Um a espécie de alegria se apodera de mim, penduro o casaco no braço e
desabotôo a camisa: estou dando um passeio. Na minha frente, o cachorro atravessa a rua,
uma mão no focinho, os dedos voltados para mim e parecem queimados. Jovens cruzam o meu
caminho com um ar de ameaça que não me diz respeito. Lá onde a rua se perde na
planície, numa atitude que parece de alguém que está esperando por mim, está uma
mulher. Estendo os meus braços para ela, há quanto tempo eles não tocam em mulher, e
ouço uma voz de homem dizer ESTA MULHER É A MULHER DE UM HOMEM. O tom é definitivo e
continuo o meu caminho. Ao me voltar, a mulher estende os braços em minha direção e
desnuda os seios. Sobre um aterro ferroviário recoberto pelo capim, dois meninos estão
mexendo numa mistura de máquina a vapor com locomotiva que está parada sobre um trilho
interrompido. Como europeu, vejo à primeira vista que é um esforço inútil: este
veículo não vai se mexer, mas não digo nada às crianças, o trabalho é a esperança,
e continuo meu caminho na paisagem que não tem outra tarefa senão o desaparecimento do
homem. Agora sei qual é o meu destino. Tiro a minha roupa e jogo fora longe, as
aparências não importam mais. Algum dia O OUTRO virá ao meu encontro, o antípoda, o
sósia com meu rosto de neve um de nós sobreviverá
Diante da locomotiva coberta pela grama numa paisagem agreste, num ponto
zero, em que a realidade transforma-se no que já é, no futuro do passado, algo como a
compaixão renasce deste encontro inesperado, na suspensão do texto, no roteiro esquecido
de uma tarefa que se liberta, e de sua vaga lembrança, talvez a cartilha revolucionária
jacobina no Caribe, seja ainda pertinente formular uma hipótese, fora da linearidade
deste devir, como se tivéssemos o direito de formulá-la à margem. Em que trilha
estávamos? Qual era a tarefa que se impunha, em que arquivo aquele roteiro se extraviou?
O espelho do antípoda não nos devolve nosso reflexo, mas apenas o "branco dos
olhos" sem pupilas, como observa o narrador. O texto de Müller busca ser a
formulação hipotética deste outro movimento virtual, cuja significação não é dada
no sensível, antes, representa seu apagamento. Nesta aproximação máxima, que é
estranheza, o conflito não se resolve, nem tampouco o combate é travado até o fim, mas
suspenso, e assim prefigura o renascimento da esperança.
SEPARATA PARA O TRADUTOR
Textos originais em alemão no corpo do texto principal:
Was meinem Auge diese Kraft gegeben,
Dass alle Misgestalt ihm ist zerronnen,
Dass ihm die Nächte werden heitere Sonnen,
Unordnung Ordnung, und Verwesung Leben?
Was durch der Zeit, des Raums verworr'nes Weben
Mich sicher leitet hin zum ew'gen Bronnen
Des Schönen, Wahren, Guten und den Wonnen,
Und drin vernichtend eintaucht all' mein Streben?
Das ist's. Seit in Urania's Aug', die tiefe
Sich selber klare, blaue, stille, reine
Lichtflamm', ich selber still hineingesehen;
Seitdem ruht dieses Aug' mir in der Tiefe
Und ist in meinem Seyn, - das ewig Eine,
Lebt mir im Leben, sieht in meinem Sehen.
STIMME (+ PROJEKTION)
STUNDE DER WEISSGLUT TOTE BÜFFEL, AUS DEN CANYONS GESCHWADER VON HAIEN
ZAHNE AUS SCHWARZEM LICHT DIE ALLIGATOREN MEINE FREUNDE GRAMMATIK DER ERDBEBEN HOCHZEIT
VON FEUER UND WASSER MENSCHEN AUS NEUEM FLEISCH LAUTREAMONTMALDOROR FÜRST VON ATLANTIS
SOHN DER TOTEN
PROJEKTION
APOTHEOSE SPARTAKUS EIN FRAGMENT
Auf der Bühne ein Sandhaufen, der einen Torso bedeckt. Bühnenarbeiter,
die als Theaterbesucher kostümiert sind, schütten aus Eimern und Säcken Sand auf
den Haufen, während gleichzeitig Kellner die Bühne mit Büsten von Dichtern
und Denkern vollstellen. Lessing wühlt im Sand, gräbt eine Hand aus, einen Arm.
Die Kellner, nun in Schutzhelmen, verpassen Lessing eine Lessingbüste, die
Kopf und Schultern bedeckt. Lessing, auf den Knien ,macht vergebliche Versuche, sich von
der Büste zu befreien. Man hört aus der Bronze seinen dumpfen Schrei. Applaus von
Kellnern Bühnenarbeitern (Theaterbesuchern)
Bilder
Bilder bedeuten alles im Anfang. Sind haltbar. Geräumig.
Aber die Träume gerinnen, werden Gestalt und Enttäuschung.
Schon den Himmel hält kein Bild mehr. Die Wolke, vom Flugzeug
Aus: ein Dampf der die Sicht nimmt. Der Kranich nur noch
ein Vogel.
Der Kommunismus sogar, das Enbild, das immer erfrischte
Weil mit Blut gewaschen wieder und wieder, der Alltag
Zahlt ihn aus mit kleiner Münze, unglänzend, von Schweiss
blind
Trümmer die grossen Gedichte, wie Leiber, lange geliebt und
Nicht mehr gebraucht jetzt, am Weg der vielbrauchenden
endlichen Gattung
Zwischen den Zeilen Gejammer
auf Knochen der Steinträger glücklich
Denn das Schöne bedeutet das mögliche Ende der Schrecken.
kann geschlossen werden, daß die Sonne, oder was immer Licht auf diese
Gegend wirft, im Augenblick des Bildes im Zenith steht, vielleicht steht DIE SONNE dort
immer und IN EWIGKEIT- daß sie sich bewegt, ist aus dem Bild nicht zu beweisen, auch die
Wolken, wenn es Wolken sind, schwimmen vielleicht auf der Stelle, das Drahtskelett ihre
Befestigung an einem fleckig blauen Brett mit der willkürlichen Bezeichnung HIMMEL
SCHWARZFILM
Das Sichtbare
Kann fotografiert werden
0 PARADIES
DER BLINDHEIT
Was noch gehört wird
Ist Konserve
VERSTOPF DEINE OHREN SOHN
Die Gefühle
Sind von gestern Gedacht wird
Nichts Neues Die Welt
Entzieht sich der Beschreibung
Alles Menschliche
Wird fremd
Wenn die Rede heute an einen sich wenden kann, so sind es weder die
sogenannten Massen, noch der Einzelne, der ohnmächtig ist, sondern eher ein eingebildeter
Zeuge, dem wie es hinterlassen, damit es doch nicht ganz mit uns untergeht
Brecht
Wirklich, er lebte im finsteren Zeiten.
Die Zeiten sind heller geworden.
Die Zeiten sind finsterer geworden
Wenn die helle sagt, ich bin die Finsternis
Hat sie die Wahrheit gesagt.
Wenn die Finsternis sagt, ich bin
Die Helle, lügt sie nicht
Durch einen solchen Beweis von der Macht der Vernunft eingenommen, sieht
der Trieb zur Erweiterung keine Grenzen. Die leichte Taube, indem sie im freien Fluge die
Luft theilt, deren Widerstand sie fühlt, könnte die Vorstellung fassen, daß es ihr im
luftleeren Raum noch viel //B9// besser gelingen werde. Eben so verließ Plato die
Sinnenwelt, weil sie dem Verstande so enge Schranken setzt, und wagte sich jenseit
derselben auf den Flügeln der Ideen in den leeren Raum des reinen Verstandes
MOTIV BEI A. S.
Debuisson auf Jamaika
Zwischen schwarzen Brüsten
In Paris Robespierre
Mit zerbrochenem Kinn.
Oder Jeanne d'Arc als der Engel ausblieb
Immer bleiben die Engel aus am Ende
FLEISCHBERG DANTON KANN DER STRASSE KEIN FLEISCH GEBEN
SEHT SEHT DOCH DAS FLEISCH AUF DER STRASSE
JAGD AUF DAS ROTWILD IN DEN GELBEN SCHUHEN.
Christus. Der Teufel zeigt ihm die Reiche der Welt
WIRF DAS KREUZ AB UND ALLES IST DEIN.
In der Zeit des Verrats
Sind die Landschaften schön.
Etwas wie Herterkeit breitet sich in mir aus, ich nehme die Jacke über den Arm und
knöpfe das Hemd auf: mein Gang ist ein Spaziergang. Vor mir läuft der Hund über die
Straße, eine Hand quer in der Scfinauze, die Finger sind mir zugekehrt, sie schon
verbrannt aus. Mit einer Drohung, die nicht mich meint, kreuzen junge Männer meinen Weg.
Wo die Straße in die Ebene ausläuft, steht in einer Haltung, als ob sie auf mich
gewartet hat, eine Frau. Ich strecke die Arme nach ihr aus, wie lange haben wir keine Frau
berührt, und höre eine Männerstimme sagen DIESE FRAU IST DIE FRAU EINES MANNES. Der Ton
ist endgültig und ich gehe weiter. Als ich mich umsehe, streckt die Frau die Arme nach
mir aus und entblößt ihre Brüste. Auf einem grasüberwachsenen Bahndamm basteln zwei
Knaben an einer Kreuzung aus Dampfmasrhine und Lokomotive herum, die auf einem
abgebrochenen Gleis steht. Ich Europäer sehe mit dem ersten Blick, daß ihre Mühe
verloren ist: dieses Fahrzeug wird sich nicht bewegen, aber ich sage es den Kindern nicht,
Arbeit ist Hoffnung, und gehe weiter in die Landschaft, die keine andre Arbeit hat als auf
das Verschwinden des Menschen zu warten. Ich weiß jetzt meine Bestiminung. Ich werfe
meine Kleider ab, auf das Äußere kommt es nicht mehr an. Irgendwann wird DER ANDERE mir
entgegenkommen, der Antipode, der Doppelgänger mit meinem Gesicht aus Schnee. Einer von
uns wird überleben