Fazer memória

Vivemos num mundo saturado pela memória. Os discursos da memória formam hoje uma imensa cacofonia, cheia de clamores e de controvérsias: apagamento de traços nos países de Leste, obsessão das origens, reescritas da história em comunidades imaginárias que remontam à noite dos tempos, nivelamentos que colocam a Resistência e Mussolini ou Franco e os republicanos, buracos na memória da colonização dos povos, evanescência do virtual, paixão do arquivo e da conservação, amnésia. Régine Robin cita Dori Laub que no final dos anos 70 dirige o projecto Fortunoff de Yale que conta com mais de quatro mil testemunhos vídeo e que diz: «le mensonge est toxique et le silence étouffe. Chaque survivant a un besoin impérieux de dire son histoire pour parvenir a en réunir les morceaux; besoin de se délivrer des fantomes du passé, besoin de connaître sa vérité enterrée pour pouvoir retrouver le cours de sa vie. C’est une erreur de croire que le silence favorise la paix. Il ne fait que perpétuer la tyranie des événements passés, favoriser leur deformation et les laisser contaminer par la vie quotidienne.» (Régine Robin, La Mémoire Saturée, Stock, 2003, p. 252). Eis um livro que não recua diante do mal a que há que dar um nome e que obriga a reflectir sobre a relação entre a ética e a literatura, a justiça dos textos, a razão prática e as formas, a moral e a politica. O homem que conta é também o homem capaz de imputação, isto é, capaz de responsabilidade. “Il revient a une phénomenologie de l’homme capable d’isoler la capacité qui trouve son expression la plus appropriée dans l’imputabilité » (Paul Ricoeur, Parcours de la Reconnaissance, Stock, 2004, p. 158).