Esse desconhecido que nos acompanha

Se a palavra dos testemunhos é móvel; se passa de um tempo a outro, da memória ordinária à memória profunda, que palavra há-de ser a da literatura contra esta mutação e esta saturação da memória? H. Arendt, que aparece neste livro como uma testemunha ímpar daquilo a que se pode chamar a Verdade, e que escreveu sobre os escritores mais altos do seu tempo (Kafka, Walser, Brecht, Proust, H. Broch), tinha uma concepção em rede da literatura: as analogias, as metáforas e imagens actuam ainda como «fios com os quais o espirito se conecta ao mundo» (H. Arendt, cit. pela autora, p. 96). O Texto é, em Maria Gabriela Llansol, uma porta de entrada para esse «desconhecido que nos acompanha», a que ela chama mundo. Aqui não há lugar para a função representativa a que habitualmente se associa a literatura: os textos não repetem o mundo que conhecemos, fendem-no, abrindo-o a diversidade que colheu de uma Babel feliz em que reinava a multiplicidade e a dispersão. Lopez de la Vieja interpreta este tópico a partir do desmoronamento da Escolástica (digamos, o fixo, o dogma) e a emergência da ética: «La torre daba, por tanto, uma ambígua respuesta a la incertidumbre que producia el paso de o antigo a lo moderno» (Etica y Literatura, p. 255). Ora é o moderno que é responsável pela desordem da linguagem, dizem uns; a fragmentação dos valores e a prova da complexidade moral, dizem outros.