Diálogo dos oradores

O Diálogo dos oradores de Tácito encenava a oposição entre o orador comprometido nos negócios da cidade e o poeta que se retira para os lugares puros e inocentes e se deleita no gozo de uma morada sagrada. Esta oposição está longe da sua extenuação. A questão da ética da literatura continua a pôr-se, mesmo depois da morte da moral da escrita. O estilo de um grande escritor é sempre também um estilo de vida, não como algo pessoal, mas como invenção de uma possibilidade de vida, de um modo de existência. O artista sabe que quando termina uma obra, só então verdadeiramente começa a vida desta, interrogada, «ingerida» por outrem. A arte não dá a felicidade mas a inquietude que o quotidiano e a banalidade do tempo obturam. E a primeira exigência ética é a do rigor e da autenticidade que pode levar à autodestruição do artista (Van Gogh, Stael) e que vai certamente incomodar o conformismo natural do público. Uma segunda exigência ética é a recusa do narcisismo idolátrico. A obra de F. Bacon é a expressão mais iluminadora desta recusa da arte moderna pela corrupção mediática da imagem. A obra de arte está sujeita à exigência ética da alteridade, isto é, à recusa de qualquer complacência narcísica relativamente a si ou à sociedade. Terceira exigência, a verdade. E que é a verdade de uma obra de arte, e antes de qualquer outra consideração, senão a livre submissão às exigências das «regras de arte»? Não adequação a uma verdade exterior, mas relação rigorosa entre a submissão às regras técnico-formais e a liberdade criadora.

Uma preocupação ética inerva a concepção da literatura desde sempre. A literatura é o lugar da dignidade, o lugar de exercício de uma responsabilidade. Na esteira de Tommmaso Campanella e Giambattista Vico, é possível encarar a literatura como um meio de conhecimento e um instrumento ético e um foco utópico. A Divina Comédia, o Graal, o Intérprete dos desejos de Ibn’ Arabi são textos fundadores, na medida em que nos conduzem a um algures mais justo, eterno e mais belo, através da literatura. Há textos que «fazem justiça» e, antes de mais, ao desejo de justiça que habita os humanos. La poésie n'est pas seule, adverte-nos Michel Deguy, sublinhando com isso o carácter simultaneamente de conjunção das artes e a injunção ética de que uma não se entende sem o outro. A intricação das duas ordens, estética e ética recebe a forma de um neologismo - esthéthique. A literatura, ao estetizar-se, escolheu a cisão relativamente ao fito persuasivo - uma perda de ética. A estetização da literatura converte-a em pirueta formal. Habermas tinha razão contra G. Benn: o mundo existe, a forma não pode ser algo de absoluto. O homem da literatura há-se ser um sismógrafo, não um turiferário da bela forma.  A «depravação» pode converter-se na morte do romance (L. Trilling). A «carne do mundo» é o tecido através do qual o homem se encontra ligado, pelo seu corpo, as coisas e aos seus semelhantes. Como poderia ser para um escritor um espaço de evasão? Conhece-se aliás o risco da retórica literária que não contivesse nenhuma referência a uma tópica. A especificidade do discurso literário não é linguística, mas antropológica, e o traço retórico deste discurso é apenas uma condição necessária, não uma condição suficiente da literaridade.