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Comecemos por uma
estimativa de custos. Quanto custa receber e reenviar uma mensagem
de correio electrónico? Numa ligação de banda larga, perto de três
milésimos de cêntimo por kilobyte, numa ligação dial-up,
entre cinco a oito milésimos de cêntimo, consoante a conexão
esteja já activada ou corresponda ao primeiro período de contagem.
Incrivelmente mais compensador do que uma carta pelo correio normal,
até mesmo do que uma simples fotocópia passada de mão em mão.
Mesmo que se trate de uma imagem longa ou um vídeo curto
(imaginemos 300 KB, valor não muito invulgar hoje em dia), mal
chegamos ao cêntimo no melhor dos casos, e a dois cêntimos e meio
no pior. Em casa cada um é senhor de si, dirão, mas aparentemente
até mesmo numa empresa se tratará de um valor desprezível. A não
ser que multipliquemos estes valores pelo número de empregados e
lhes acrescentemos custos de quebra de produtividade provocados não
só pela recepção e reenvio mas também pelo tempo de leitura. Na
página da CIAC Internet Hoax
Information, a estimativa torna-se quase assustadora, e faria
sem dúvida as delícias ou terrores de uma empresa ou governo
preocupados excessivamente (paranoicamente? Talvez, como veremos!)
com o orçamento e com a contenção de custos, se pensarmos na
quantidade de mensagens inúteis (num sentido excessivamente
utilitarista, naturalmente) que todos os dias são trocadas. As
piadas (escritas ou de teor visual) sobre George
Bush são hoje em dia o exemplo mais comum, mas poderíamos
acrescentar piadas de louras e alentejanos, apresentações em
PowerPoint sobre o valor da amizade e dos animais de estimação, e
vídeos de conteúdo no mínimo brejeiro. Ao menos um empresário
japonês talvez veja nisso uma outra forma de fazer subir a moral (e
portanto a produtividade, ao contrário do que se esperaria das
linhas acima) dos seus empregados, depois de esgotada a novidade das
sessões de ginástica oriental depois do almoço e dos combates de paint-ball
às sextas-feiras ao final da tarde.
E quanto aos efeitos ao nível do
significado, que dificilmente podem ser alvo de uma estimativa, e
muito menos de uma argumentação em defesa de valores como a
produtividade? A resposta só pode ser dada se alterarmos por
completo a perspectiva: não o ponto de vista do indivíduo, que até
certo ponto -- num primeiro momento -- podemos reduzir a um mero
agente de propagação, mas sim daquilo que é propagado. É deste
ponto de vista que devemos entender o conceito de «meme», proposto
inicialmente por Richard Dawkins mas actualmente bastante popular,
na Internet muito mais do que no mundo académico (no fundo, o
conceito também ele se tornou um meme, como se perceberá depois de
definido). O que é então um meme? É a música que trauteamos ao
acordar e que passamos o resto do dia a tentar, em vão, que nos
saia da cabeça. É o boato sobre seringas infectadas nas cadeiras
das salas de cinema à espera de um incauto. É a incapacidade de
pronunciar correctamente uma palavra porque o cérebro faz
inconscientemente uma analogia com uma outra, assemelhando-a a esta
última mais do que deveria. É, dirá Dawkins numa ilustração
extrema, a crença num deus e numa salvação porque essa ilusão
permite que o cérebro fique liberto para outras interrogações
mais produtivas e menos angustiantes. Um meme, como um gene, é uma
unidade auto-replicativa de significado, sem qualquer outro tipo de
existência fora desse «mundo conceptual», não propriamente
dotada de intencionalidade mas que «parasita» os cérebros
daqueles que a possuem, como uma espécie de unidade mínima de
cultura. Tal como um gene, sofre mutações e está sujeita a uma
adaptação de tipo darwiniano, eventualmente «recorrendo» a
processos de simbiose, mutualismo, competição e parasitismo, quer
relativamente a outros memes quer relativamente aos indivíduos de
que se «serve». Se deixa de cumprir uma função útil ao indivíduo,
ora permanece como sobrevivência ora se extingue dando lugar a
memes mais «adaptados».
Tal como no caso de uma doença, é
crucial para o meme que possa propagar-se, pelo que o actual aumento
da velocidade de propagação (bem como da sua extensão, o que é
praticamente um sinónimo de «globalização») lhe é em princípio
favorável. Poderíamos por isso afirmar que uma das características
mais marcadas do contemporâneo não é, como muitos procuram
defender, que se trata de uma sociedade da informação e do
conhecimento (no fundo, esse é mais um meme que vive um momento de
excelente forma), mas antes de uma sociedade da proliferação dos
mais diversos memes. Se assim fosse, teria de admitir-se que a razão
estaria, após séculos em que isso era uma mera esperança num
momento futuro de emancipação do ser humano, finalmente a triunfar
sobre o mito e sobre a irracionalidade, desempenhando o seu papel de
seleccionador-mor de todos os memes. Ao contrário, os critérios de
sobrevivência e «saúde» dos memes parecem eludir esse princípio
racional, assistindo-se portanto à alegre convivência (quantas
vezes num mesmo indivíduo) de saberes científicos (na maior parte
das vezes filtrados pela simplificação dos media), paixões
pelo esotérico e pelo oculto (cf. o interessantíssimo livro de
Erik Davis, Technognosticism), ou tão-só (talvez a
categoria subrepticiamente mais comum) uma crença em pseudo-factos
sem qualquer outra sustentação que não a sua capacidade de atrair
e de produzirem, graças a diversos mecanismos internos, um ilusório
valor de verdade.
E nos casos em que a atracção (num
sentido positivo) é algo fora de questão, já o sabiam Maquiavel e
Hobbes, trata-se de suscitar o temor, mecanismo aliás muito mais
eficaz quando conjugado com um meio ambiente particularmente
receptivo ao que se insinua nos receios mais inconscientemente
instalados. Pense-se, por exemplo, na tese que Michael Moore
apresenta no polémico mas recentemente aclamado Bowling
for Columbine. O que leva os americanos a adquirirem armas,
barricando a sua defesa (literalmente!) numa invocação a uma
Segunda Emenda à Constituição, escrita num momento em que a América
ainda era selvagem e o Estado não tinha o grau de coesão -- não
esqueçamos a clássica definição do Estado como detentor legítimo
do monopólio dos meios de violência -- que na mesma época já
caracterizava a maioria das nações europeias? Mas, mais ainda, o
que os leva, ao contrário dos canadianos que possuem uma
percentagem maior de armas por lar e contudo deixam as portas no
trinco mesmo depois de assaltados, a fazerem uso dessas mesmas armas
atingindo um recorde (absoluto e per capita) de incidentes
fatais com armas de fogo? Como na breve sequência animada nesse
mesmo documentário, os peregrinos emigraram para a América por
medo da perseguição religiosa, massacraram os índios por medo
duma cultura estranha, os seus descendentes reinventaram a
escravatura por medo de trabalhar, fundaram a Ku Klux Klan por medo
dos negros emancipados, barricaram-se em subúrbios por medo da
diversidade das cidades ..., tudo numa sequência interminável de
paranóias cada vez menos fundamentadas mas também cada vez mais
enraizadas e mais promovidas directa ou indirectamente por todos
aqueles que delas fazem uma forma de lucro. E se houver quem duvide
do realizador, como se este tivesse sido acometido por uma espécie
de «excesso de zelo», leiam-se algumas das mais interessantes
novelas de Philip K. Dick, onde a paranóia de algumas
personagens-chave atinge um grau tal, numa espécie de kafkianismo
invertido, que obriga a realidade a ajustar-se a ela. Self-fulfilling
prophecies, ou um receio tão infundado da violência que gera a
própria violência, que assim poderá alimentar um medo ainda maior
porque legitimamente confirmado. Excelente adubo para os memes...
Acrescente-se a tudo o que foi acima
referido o ganho, do ponto de vista da vantagem competitiva do meme,
quando se passa a uma propagação por via dos meios electrónicos,
que permitem levar a um cúmulo a velocidade, a extensão, a ténue
relação a um referente externo. O que nos leva de novo à questão
dos receios viscerais. Se pensarmos que as inócuas anedotas e gags
visuais que circulam pelas caixas de e-mail têm uma vida
bastante activa mas habitualmente curta, tal deverá significar que
a velocidade de propagação não se traduz necessariamente, como
fora adiantado acima, num meme bem sucedido a médio ou longo prazo.
Muito mais eficaz é um meme que se serve de naturais receios dos
indivíduos para se propagar e incentivar ainda mais a propagação.
A melhor ilustração vem-nos dos alertas sobre vírus ou outros
problemas informáticos (como o famoso, influente, mas totalmente
extinto bug do ano 2000). O recurso a supostos simulacros de
autoridade, como «A McAfee emitiu hoje um alerta...» parece
aumentar a verosimilhança, e portanto a capacidade de propagação,
mas o receio parece tão bem instalado que até mesmo esse
dispositivo é por vezes dispensável, tal é a capacidade de levar
a que os indivíduos se disponham a reencaminhar a mensagem para
todos os contactos na sua caixa de correio (e a seguir as instruções
mencionadas, como no caso do alerta sobre o «vírus» Teddy Bear1)
Resultado da crença na mensagem: servidores de e-mail mais
congestionados, por vezes componentes essenciais ao sistema
operativo apagados e um dispêndio de tempo, não só improdutivo
como contraprodutivo. Sem bruxas para queimar, a «sociedade da
informação» cria as suas próprias «tecno-bruxas», que nos
surgem sob a forma ominipresente de uma teoria da conspiração...
«A mensagem convidava o destinatário a
procurar um ficheiro executável intitulado jdbgmgr.exe, identificável
pelo ícone de um urso, e a apagá-lo. Numa das variantes da
mensagem, o receio era instigado afirmando-se que, tratando-se de um
vírus que se auto-envia para todos os contactos da mailing list do
utilizador, estaria muito provavelmente presente também no do
destinatário. O executável em causa é contudo, apesar do suspeito
ícone, essencial a certas tarefas do Windows, o que na prática
significava que se estava a propor um estrago maior do que o de
muitos vírus legítimos. Cf. <http://urbanlegends.about.com/library/bl-jdbgmgr-virus.htm»>
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