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"...Estará num deserto, estará no céu essa criança que nada deve aos homens, nem ao carbono, nem ao silício, que nada deve à luz nem à noite? Quem é aquele em quem eu penso e que só a mim pertence, quando afinal o seu reino é o Universo, e as suas palavras não podem repetir-se visto serem verdadeiros ideogramas, formados não de representações, mas de autênticas montanhas, de autênticas árvores, de telhados lacados, de claustros, de aves com bicos de osso e garras, de bocas de vulcões, de verdadeiros oceanos, de verdadeiros mares... Os seus ideogramas olham-se como bilhetes postais e dizem frases de universo. Eles não podem pronunciar-se, leêm-se, decifram-se com essas fotografias de satélite onde as cidades são azuis, os campos de trigo vermelhos e a água verde. São partes do mundo, pois A CRIANÇA FALA O MUNDO. Ela não conhece os signos para encurtar um espaço e quando designa a distância das estrelas, o ideograma que ela desdobra tem a extensão dos anos-luz que as separam. Quando quer falar de amor, há um homem e uma mulher enlaçados, e quando conta a guerra, há mil tanques que cospem fogo, bombardeiros e ogivas nucleares que esperam, ocultos nos seu subterrâneos, o sinal que irá fazê-los lançarem-se em direcção ao céu... ELA NADA DEVE AOS HOMENS, nem ao sexo que penetra um outro sexo para aí deixar biologia, aminoácidos e um código genético...

ESTA CRIANÇA SEM PROGRAMA É A MINHA, unicamente porque eu penso nela e ela o sabe... Mas é das flores, de outros homens, de outros sonhos, de outros olhos, ELA PERTENCE AOS ROMANCES que dela falam. E só é meu filho porque é para mim que voa quando eu penso nele..."

O Viajante Magnífico, Yves Simon