Nos últimos anos, e à medida
que a comunicação foi aprendendo a funcionar à velocidade da luz, os nossos modos de
dirigir a atenção sobre o mundo que nos rodeia sofreram transformações consideráveis.
Tornou-se substancialmente mais fácil estar em permanente contacto com
fenómenos e acontecimentos que por natureza nos seriam alheios, o que contribuiu para uma
decisiva alteração das consciências e para a socialização de usos e costumes outrora
tido como «estranhos».
Mas, por singular que pareça, tornou-se também progressivamente mais
difícil fixar ângulos de análise, pontos de reflexão, posições com solidez
suficiente para que delas se pudesse observar o mundo de forma tranquila.
Na verdade, a frenética velocidade a que hoje em dia nos é dado
constatar as permanentes transformações do real conduziu à fluidificação deste: nos
nossos dias, a realidade faz-se e desfaz-se a cada passo, mesmo diante dos nossos olhos, e
independentemente de aceitarmos o facto de forma entusiasmada e eufórica, ou com o
distanciamento irónico e o apropriado cinismo que são também uma outra marca do nosso
tempo.
Num como noutro caso, a facilidade de cada opção não esconde as
dificuldades que se apresentam a quem hoje em dia procure reflectir sobre a comunicação
e os horizontes por ela prometidos - um tema que se tornou cada vez mais visível mas, por
paradoxo, cada vez mais discreto e imponderável.
Serão pois bem recebidos todos os instrumentos que nos possam auxiliar
nessa árdua tarefa - e é por isso que se saúda a publicação deste disco sobre Cultura
Digital produzido pelo Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens, contendo um
conjunto de entrevistas gravadas em 1997 e subordinadas a três eixos temáticos que
prolongam outras tantas inquietações sobre o futuro da humanidade no próximo século.
São elas:
1.Se a progressiva mediatização da comunicação humana conduz ao que
se poderia chamar um «empobrecimento da experiência»;
2. Se, numa época em que toda a comunicação é mediatizada,
continuará a fazer sentido falar de «mediação»;
Se, face à progressiva osmose entre o mecânico, o electrónico e o
biológico, noções como as de «corpo» e de «humano continuarão ainda a fazer
sentido.
Dez académicos de renome, oriundos de tradições e meios diversos, na
Europa como nos Estados Unidos, oferecem-nos aqui as suas respostas, necessariamente
parcelares, díspares até, mas oferecendo-se sempre como fecundos eixos de reflexão, e
desafios a posteriores e mais aprofundadas elaborações.
Para citar apenas um exemplo, regressemos ao tema do «empobrecimento da
experiência». Se Henry-Pierre Jeudy se declara firmemente avesso a tal interpretação,
defendendo que nunca, como até agora, o conceito de experiência se transformara alguma
vez em algo de tão singularmente colectivo e partilhado, já José Jiménez a defende,
sublinhando o papel redutor que os media têm vindo a desempenhar ao promoverem
sistematicamente uma simplificação do real, que se revela grosseira e promove uma cada
vez menor complexidade no processo de construção do sentido da vida e da comunicação.
Existe porventura uma forma de combater essa simplificação sistemática
- trata-se de promover uma diferente engenharia do conhecimento que divulgue e coloque em
circulação as ideias e os instrumentos conceptuais necessários à metamorfose.
Penso ser nesse movimento que este trabalho se vem inscrever, de forma
generosa e inovadora. É um documento de cariz académico, mas pode tornar-se também um
utensílio, uma vez que oferece aos seus visitantes um conjunto de ferramentas conceptuais
que são, hoje em dia, basilares.
Na época da comunicação à velocidade da luz, como diz Edmund Couchot,
«Cada conexão, cada ligação, cada interface, muda-nos, desloca-nos, priva-nos de
sentidos, acrescenta-nos outros sentidos. Em suma modifica-nos».
E é isso que o conhecimento faz - transforma as pessoas.
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