P :: Os jogos digitais são considerados por alguns autores como a arte do século XXI, da mesma forma que o cinema foi considerado a arte do século XX. Considera a evolução dos videojogos semelhante à do cinema? Trinta anos depois do aparecimento dos primeiros videojogos que títulos, criadores e/ou produções considera como marcos na sua evolução?
R :: Eu não sei se os videojogos vão ser o cinema do século XXI. Eu acho que os videojogos mostram que há um paradigma diferente que as pessoas estão a assumir na forma como lidam com as imagens. Se nós virmos, as gerações novas preferem a interacção, preferem os videojogos. As gerações mais velhas estão no cinema. Portanto há esta mudança de paradigma e os videojogos mostram, de facto, que essa diferença existe. A questão está em saber se são os videojogos ou se há outra forma de interacção. Porque nós podemos antecipar outras formas de interacção que não sejam necessariamente jogos. Eu penso que a grande revolução nos jogos começou com os primeiros jogos da Atari. Para além do fundador da Atari, uma das pessoas mais determinantes foi uma pessoa chamada Warren Robinet que fez o jogo Adventure, que depois foi o fundador da Warren Company e o iniciador da realidade virtual da NASA, da realidade aumentada. Nos videojogos nós podemos distinguir dois mundos. Nesta altura, podemos distinguir o mundo dos jogos para PC onde há várias marcas. As pessoas que eu mais admiro nos jogos têm a ver com a id Software que fez o Doom e o Quake, têm a ver com Will Wright que fez o SimCity e depois o The Sims. E, depois, todas as pessoas ligadas à Blizzard que fizeram o Warcraft e o Starcraft, e tantos outros jogos. Por um lado, há esse tipo de pessoas, com três tipos de jogos diferentes - jogos de estratégia, jogos de simulação e jogos tipo Quake. Há, depois, outra vertente que são as consolas. E nas consolas eu acho que os grandes expoentes no início foram as pessoas ligadas à Nintendo, todos os japoneses que fizeram o Super Mario e jogos desse patamar. Nós, hoje, estamos perante uma terceira geração. A primeira geração eram aqueles jogos de arcada e depois há estes jogos mais sofisticados para PC e para consola. Eu acho que temos agora uma nova geração, que é a geração dos jogos móveis, jogos pervasivos. Nos jogos pervasivos eu não estou a falar dos jogos móveis em que se faz o download; esses são muito semelhantes aos jogos de arcada da Atari de há trinta anos. Estou a falar dos jogos que se baseiam na localização dos jogadores e, nesses, o grande iniciador foi a firma sueca It´s Alive! com o BotFighters. E depois nós, na Ydreams, transportámos esse conceito para um jogo diferente, que é multi-player, em que se visualiza a localização dos jogadores e em que já há estratégia.
Estes são, talvez, os jogos emergentes, são uma nova geração de jogos. Estes jogos têm uma característica. Cruzam o virtual com o real. As pessoas estão no mundo real a jogar um jogo virtual. Há outro tipo de jogos emergentes como aquele jogo da Playstation, o Eye Toy é o primeiro exemplo em que as pessoas fazem o processo contrário, o virtual entra no real. Jogos em que a interacção é por gestos, com o corpo. Nós estamos aqui a trabalhar um pouco nesta linha do Eye Toy, mas de uma forma distinta. Nós entramos no jogo, o real entra no jogo, no virtual, só que o nosso virtual é substituído pela transmissão instantânea do real. Por exemplo, nós estamos a assistir a uma corrida de automóveis e estamos a correr num carro virtual contra carros reais em tempo real. Eu penso que isso vai crescentemente acontecer, a exemplo do que acontece na televisão com os reality shows. E, portanto, eu acho que nos jogos cada vez mais vai haver esta mescla do virtual com o real e essa mescla pode ser de várias formas. Pode ser de uma forma fixa, em que uma pessoa está em casa sentada no sofá a guiar um carro quando a corrida real se está a passar noutra parte do mundo ou a pessoa está no meio da rua a jogar no virtual em que há um cenário real. E, portanto, esta é uma história muito rápida do mundo dos jogos. Eu acho que se tiver que apontar duas ou três pessoas, eu vejo sempre muito mais pelo lado académico do que pelas pessoas que desenvolveram jogos. O Warren Robinet foi uma pessoa extremamente importante, porque foi a pessoa que começou a identificar quais eram os blocos fundamentais para desenvolver um jogo e, depois, desenvolveu toda a parte tecnológica que permite os jogos de hoje - os jogos baseados em computação gráfica interactiva, em 3D, em tempo real. O Warren Robinet foi, também, o precursor dos jogos que nós estamos a falar, jogos pervasivos, que são jogos onde a realidade é aumentada. A segunda pessoa que eu mais admiro é o Will Wright que criou jogos em que, de facto, há um elemento fundamental que são os modelos de simulação. O SimCity é a melhor ferramenta do mundo em planeamento urbano que existe. Todas as cidades deviam ter SimCity reais. E o The Sims é uma nova geração de jogos completamente diferente. Depois o grupo texano id Software que criou o Doom e o Quake. No meio, ainda pensando em termos mais académicos, há pessoas fundamentais que hoje em dia estão associadas à indústria dos jogos e que no início não estavam e uma delas é Craig Reynolds, um dos fundadores da vida artificial e que foi a pessoa que programou a animação do Rei Leão, premiado com um Óscar na altura, e hoje em dia é director de investigação da Sony e da Playstation. Estes são os elementos fundamentais. E, obviamente, o que se passa na indústria de jogos é que há imensos talentos emergentes em qualquer parte do mundo. Há oitenta firmas e estúdios no mundo a fazerem jogos para as consolas e para os telemóveis. E nessas oitenta firmas há pessoas excelentes. Tudo pode acontecer.

P :: Pela sua experiência com empresas e clientes estrangeiros qual a impressão que tem relativamente à implementação e desenvolvimento de uma cultura lúdica?
R :: Se nós olharmos para a história, e a história do século passado está muito retratada nos filmes, a cultura lúdica começou por ser um privilégio dos ricos. Há aqueles filmes em que as pessoas, aparentemente, nunca fazem nada, viajam, têm todo o tempo livre do mundo. Eu penso que a televisão e, em primeiro lugar, o cinema, e depois a televisão, é o primeiro marco de massificação da componente lúdica em que as pessoas não podiam experimentar realmente as viagens, o prazer, mas tinham um sucedâneo que era transmitido nas imagens dos écrãs. Eu acho que o que os jogos, hoje em dia, têm é muito para além desse elemento de colocarmo-nos em mundos de fantasia, e que são mundos muito mais atractivos que os mundos reais: há uma componente fundamental nos jogos de hoje que tem a ver com as relações humanas. A maior parte dos grandes jogadores quer jogos de interacção, quer jogos multi-player. Portanto, as relações entre as pessoas e as interacções entre as pessoas são fundamentais e são uma componente fundamental do exercício lúdico. O exercício lúdico já não é um exercício unívoco, em que a pessoa está a olhar para o écrã que está a transmitir as imagens, nem sequer é um exercício biunívoco em que a pessoa está a interagir com o jogo e há interacções nos dois sentidos, mas interacções em múltiplos sentidos em que as pessoas estão a jogar o jogo e estão, simultaneamente, a fruir o jogo com grupos com os quais combatem noutros planos. A cultura lúdica de hoje é muito diferente e isso vê-se dentro de uma casa de qualquer família portuguesa. Dentro da família os pais estão a ver televisão e os filhos estão a jogar jogos multi-player com pessoas de todo o mundo, onde os contactos são interpessoais mas estão distanciados de Portugal. O que é curioso é que não só os jogos são jogados dessa forma - obviamente depois há aquelas cenas ao fim-de-semana em que as pessoas se juntam em bares, em festas. O que se está a assistir é o ritual em que durante a semana a pessoa tem o seu divertimento em casa, mas conectado com outras casas, e depois ao fim-de-semana lá se decidem encontrar e o divertimento, realmente, tem um rosto humano. Mas, esse divertimento é completamente diferente do divertimento das gerações anteriores que iam ao cinema, viam televisão e algumas faziam desporto. Em relação à cultura lúdica, eu acho que um dos grandes derrotados neste processo é o desporto físico. As pessoas quase que preferem jogar futebol no videojogo do que jogar futebol no mundo real. O que se está a assistir, na cultura lúdica, é uma crescente supremacia do mundo virtual sobre o mundo real. E isso é triste.

P :: Que tendências narrativas, de género e de tecnologia são actualmente visíveis na criação de videojogos? Como acompanha a Ydreams essas tendências?
R :: Eu acho que as narrativas são extremamente pobres em geral. São marcadas pelo culto da violência. O que nós temos vindo a trabalhar, e nós estamos muito ligados ao MIT Media Lab, ao grupo Story Networks de Glorianna Davenport, é tentar estudar formas de criar histórias virtuais. Eu acho que há um misto que se tem de atingir e é dificilmente atingível, que é cruzar a cultura europeia tradicional, que é tradicionalmente muito mais profunda, com a cultura popular americana, que é muito mais atractiva. Nós, pela pesquisa que temos feito, achamos que há um grupo de pessoas do Brasil que conseguiu fazer essa combinação e a primeira coisa que a Ydreams fez foi contratar uma dessas pessoas. O Ricardo Andrade é a pessoa que eu conheço que melhor consegue captar e cruzar estes dois tipos de cultura. O segredo está aí. A narrativa tem de ser extremamente atractiva e, simultaneamente, ter uma complexidade que tenha o mínimo de atracção sobre as gerações cada vez mais evoluídas que jogam jogos. E aí há vários caminhos. Eu não sou especialista em narrativa, mas há vários caminhos que se têm vindo a seguir. Há exemplos clássicos de ir buscar histórias clássicas e de filmá-las, e depois há exemplos completamente opostos que têm a ver com utilizar simplesmente a realidade. Por exemplo, uma das coisas que nós temos trabalhado é: como é que construímos um jogo tendo uma câmara na rua onde as pessoas passam? Como é que se caminha a partir daí? Em termos de tecnologias o que se está a passar é que é tudo mais rápido, o processamento é mais rápido, a banda larga permite a transmissão mais rápida, as placas gráficas não têm nada a ver com o passado e, portanto, nós estamos a caminhar no sentido de haver foto-realismo quase absoluto. Foto-realismo implica sempre a geração sintética das imagens e isso é um trabalho pesado e caríssimo. Nós temos caminhado - e quanto mais capacidade de processamento, de memória, de banda o permitirem - é em como trabalhar sobre imagens reais. Como é que nós trabalhamos com o vídeo? Como é que o vídeo se torna em vídeo verdadeiramente interactivo? E, nós achamos que nessa componente, nesta altura, somos únicos à escala global. Nós temos as melhores tecnologias, nesta altura, de qualidade a lidar com o vídeo interactivo, algumas delas não são ainda praticáveis no mercado. Mas isso é um trabalho que tem sido feito ao longo dos anos. Nós apostamos muito nessa área. Depois há outro nível de observação que tem a ver com os jogos cross media. O que se passa nos jogos - nós já temos visto isso de uma forma muito rudimentar com os jogos de telemóvel que promovem a interacção com a televisão - é que os jogos vão ser, de facto, cross media. Nós temos uma experiência muito interessante, um curso em que as pessoas jogam com mobiliário urbano. Imaginemos uma cidade que é uma cidade mágica com o mobiliário urbano que através de chips bluetooth emite informação, música, imagens ou som quando a pessoa passa com o telemóvel, em que parte do mobiliário urbano são écrãs interactivos de larga dimensão. Nós estamos a imaginar jogos em que o telemóvel é um controlo remoto e em que há diferentes tipos de écrãs, em casa na televisão, na rua no MUPI da JCDecaux, ou no écrã do estádio, ou no computador. Estamos muito atentos a esses jogos que ainda não provaram ser um mercado, mas são um conceito completamente diferente. Nesta altura, têm tido o principal sucesso no mundo publicitário.
Ao nível das tendências de género isso tem sido dramático no mundo dos jogos. Nós realizámos na Ydreams um acontecimento, o Future Gaming 2004 (FUGA) e 95% das pessoas que vieram eram homens. O número de raparigas era mínimo. Temos dialogado com as operadoras todas e o que as operadoras querem são jogos para todos os géneros. Estamos a cingir os jogos a 50% da população à partida. E, nesse sentido, nós até temos um projecto de código Mobile em que o objectivo é exactamente esse. Há os géneros e as idades. A média de idades em jogos subiu muito. Nesta altura, é à volta dos trinta anos. Hoje em dia, começa a ter sentido pensar em jogos dos 25 para os 40 anos, o que era impensável há bem pouco tempo. Até agora os jogos eram todos dos 12 aos 25. Agora passamos a ter jogos dos 25 aos 40 e esses jogos têm que ser para todos os géneros. E há outro ponto importante, nós agora estamos a trabalhar com um grande fabricante de brinquedos e eles querem jogos inter-gerações, os pais a jogarem com os filhos.

P :: Pensa que o panorama de desenvolvimento dos videojogos actual estimula as intersecções entre diferentes áreas de investigação? Inteligência Artificial, Estética, Escrita e Hipertexto, Filosofia, Música, para nomear apenas algumas. Serão os videojogos um território por excelência de convergência e de diálogo entre áreas, aparentemente, compartimentadas?
R :: Não tenho a menor das dúvidas. Eu acho que os videojogos são um laboratório fantástico. Nós vemos isso na Ydreams onde temos várias pessoas de várias áreas a realizar os videojogos. O desenvolvimento dos videojogos, logo à partida, tem sido pluridisciplinar. O grande problema em Portugal, por exemplo, é que durante anos os videojogos eram produzidos por engenheiros. Aliás o mesmo problema se passou na história do cinema em que os filmes foram, no início, desenvolvidos por engenheiros e foram um fiasco e só quando começaram a atrair artistas é que passaram a ser um sucesso. Nos videojogos, hoje em dia, já temos pessoas de várias áreas a trabalhar e eu acho que o videojogo é um paradigma que pode ser utilizado em muitas outras áreas, até em áreas profissionais. Por exemplo, o planeamento urbano. Nós já vimos o caso do SimCity, em que o planeamento urbano é um jogo, é um videojogo. Em última análise, o governo de um país é um videojogo, em que nós temos ministros a gerir um país sobre um ecrã. Nós podemos pensar nestes termos para linguística, para estudo da literatura e assim sucessivamente. Todo este paradigma do videojogo é riquíssimo. Pode ser, de facto, utilizado nas mais variadas áreas. Um dos pontos dramáticos em Portugal é que isso ainda não foi possível na universidade. As universidades caracterizam-se por criar cadeiras sempre que as matérias já são caducas ou ultrapassadas, isto é, quando já passaram o seu tempo de vida. E, então, é isso que acontece muito. Um dos fenómenos actuais nos videojogos é que os videojogos não são tratados na universidade portuguesa, ponto final. Aliás, o mesmo se passou com a Internet há uns anos. Está-se sempre atrasado e isso é péssimo sob todos os pontos de vista. Os standards dos videojogos - é importante que se diga - são os mais elevados possíveis na indústria de software. O jogo não pode ter um bug. Se uma firma faz um jogo com um bug vai à falência rapidamente. O mesmo não se passa no software profissional. Todo o software da Microsoft é muito mau, com efeito. Logo à partida, os videojogos são um sinónimo de excelência. E a excelência deve ser o guia para todas as profissões.

P :: Acha possível a articulação de equipas com elementos provenientes de diferentes áreas tão díspares quanto a engenharia, artes visuais, arquitectura, escrita criativa, etc., para a criação de videojogos? Há lugar para uma formação académica orientada para o design/criação de videojogos ou deverá esta actividade recolher, ao nível de uma equipa, os contributos de diferentes áreas?
R :: Eu acho que há lugar para essas duas diferentes visões. Em primeiro lugar, obviamente que nós temos de ter especialistas. Se eu quero apresentar uma cidade em 3D tenho de ter um arquitecto para desenhar a cidade em 3D. Se eu quero ter música tenho de ter um músico. Se nós temos de ter elementos de inteligência artificial no jogo temos de ter pessoas dessa área de investigação. Nós temos de ter especialistas. O que nós estamos a fazer aqui na empresa, nós estamos associados à Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, e temos formado as pessoas da equipa de jogos no mestrado de videojogos que eles têm. E o mestrado de videojogos que eles têm está dividido em duas áreas. Está dividido em design e concepção - que tem a ver com desenho de interfaces, com a história, com a narrativa, com toda a parte que podemos dizer mais soft - e tem a parte tecnológica e de desenvolvimento. Portanto, o que nós achamos é que as pessoas têm de ter uma formação inicial diferenciada, mas depois os videojogos têm todo o sentido em termos de pós-graduação. As pessoas que saem destes programas, e nós negociámos muito esses programas, têm uma visão conjunta, isto é, aprendem a integrar a visão das pessoas das outras especialidades logo à partida. Fazer isso é óbvio que é possível e acontece, mas é distinto tem de se procurar uma linguagem comum. Eu acho que nos jogos o storyboard é a primeira linguagem comum. Todas as pessoas colaboram a fazer o storyboard, o storyboard é algo que é gráfico, visual, as pessoas percebem claramente onde estão inseridas e qual é a sua competência. Mas percebem a um nível superficial. A um nível profundo, um produtor de jogos tem de saber quais são as limitações tecnológicas. Quando nós fazemos jogos para telemóvel, onde estamos a falar de jogos em que o máximo é 100K, a pessoa que desenvolveu o jogo tem de estar consciente de que o jogo só vai ter 100K. A pessoa que faz o design, a pessoa que faz o som tem de ter um conhecimento mínimo da componente tecnológica. Eu acho, em primeiro lugar, que há lugar para formação académica, e acho que essa formação académica deve ser a nível mais de pós-graduação. E, em segundo lugar, é óbvio que a forma de integração das pessoas pode acontecer no desenvolvimento de um jogo, mas a formação comum que essas pessoas possam ter em mestrado ou em pós-graduação nesta área ajuda muito.

P :: Não é hábito dizer-se, de um país como Portugal, que se estimula a criação colectiva e a autoria partilhada e emergente. Como considera o caso português, comparativamente ao estrangeiro, a nível de investigação e desenvolvimento de videojogos? Há algum exemplo pelo qual nos devamos guiar?
R :: Eu acho que em Portugal não existe a tradição dos videojogos, não existe uma tradição que estimule a criatividade; os videojogos são um domínio das outras áreas. Acho que a universidade portuguesa é do mais cinzento que poderá ser possível. Além disso, a criação que há é uma criação muito virada para o século XIX, para a mentalidade do século XIX. Portanto, Portugal é o último país donde se podia esperar investigação nos videojogos. Quando nós começámos a lidar com os distribuidores internacionais, todas as pessoas perguntaram 'Mas vocês são de Portugal?'. Nunca lhes passava pela cabeça que, em Portugal, houvesse alguém que pretendesse desenvolver um jogo. Nós temos conhecido várias firmas que fazem jogos nos Estados Unidos, em França, em Espanha, na Suécia, sobretudo estes países, e, basicamente, eu acho que a cultura comum é uma cultura de independência completa. Normalmente, as pessoas que desenvolvem jogos são pessoas incrivelmente independentes. Aqui não há factorys. Há fábricas mas as fábricas não são bem sucedidas. Os estúdios que são bem sucedidos são os estúdios muito, muito virados para a criatividade, com produções muito, muito independentes. Portanto, o único exemplo que eu conheço de intervenção central e governamental no desenvolvimento da indústria dos videojogos é a França. A França com a InfoGrames, que agora se chama Atari, comprou o nome e a esse nível e a nível dos jogos móveis tem das melhores firmas da Europa. E esse é o exemplo de intervenção estatal. Perceberam que a indústria dos videojogos era fundamental e injectaram capital. E acho que essa injecção de capital deu resultados, é óbvio. Eu acho que em Portugal estamos longe disso. Nós não estamos à espera que o Estado injecte capital. Hoje em dia o problema de capital não é um problema estatal. Nós temos, nesta altura, oito ofertas de investidores, oito ofertas de investidores internacionais. Portanto, o dinheiro não é um problema. O problema mais grave tem a ver com a formação das pessoas. Tem a ver com o facto de ser extremamente difícil em Portugal... Não na parte tecnológica: a parte mais difícil é toda a parte de criatividade e de marketing porque está completamente anquilosada. É extremamente difícil procurarmos pessoas soltas. É extremamente difícil ao português soltar-se. E os jogos precisam de pessoas soltas.

P :: Pelo mundo fora estão a surgir jogos artísticos que criticam e tentam desconstruir as regras e esquemas tradicionais da cultura mainstream dos videogos. Como vê articulações como esta entre o tempo da técnica, mais rápido, e o tempo da estética, mais lento?
R :: Estivemos no ArtFutura, em Barcelona este ano, e temos estado em vários festivais com grupos que procuram utilizar os videojogos de forma artística e tenho duas opiniões sobre esses movimentos e isso tem muito a ver com a cultura e a investigação universitária. Eu acho que a investigação universitária só tem sentido se é uma investigação de ruptura, se é uma investigação virada completamente para o futuro, e uma investigação de alto risco. E, portanto, como é de alto risco, há vezes em que se falham e há vezes em que se acerta. O que nós por exemplo vimos nos EUA é que o que eles estavam a propor estava atrasado dois anos em relação ao que nós, como empresa comercial, estávamos a fazer. E isso tem sentido? Não tem sentido nenhum. O ter sentido é estar na fronteira. E eu para ser honesto não vi ninguém que esteja verdadeiramente na fronteira nas universidades. Não estão na fronteira. Nesse sentido, eu acho que são irrelevantes. Para serem relevantes têm de estar na fronteira. Por exemplo, estivemos no MIT Media Lab em Janeiro com várias pessoas dessa área e a minha sensação na altura era que nós estávamos muito mais à frente. Porque, basicamente, a pressão que nós temos neste momento, é que nós estamos num mundo completamente novo. Na nossa área, nos jogos móveis - o início foi há dois anos - é um mercado com dois anos e nós estamos dois ou três anos à frente. E o que se passou nos movimentos universitários é que nunca tiveram as ligações com as empresas que criavam as tecnologias de base, como a Nokia. Por exemplo, nós tivémos telemóveis da Nokia muito tempo antes de eles chegarem ao mercado. E, portanto, quando eles chegam ao mercado nós já desenvolvemos jogos. O problema da universidade em geral, e da investigação científica em particular, é que hoje em dia, ao contrário do modelo linear tradicional em que a ciência dava origem à tecnologia, em muitos casos a ciência é tecnologia aplicada. E, portanto, se não há relações tecnológicas de base - com a Nokia e outras empresas, como nós hoje em dia temos - corre-se o risco de estar atrasado. É completamente diferente eu estar a pensar em projecções com um projector com uma determinada resolução e pensar num esquema em que tenho um projector a laser que permite projectar sobre uma cidade, por exemplo. O facto de ser tecnologia aplicada é dramático. O Media Lab sempre foi forte nestas relações com a componente tecnológica. Nós como firma estamos sempre a olhar à volta e, honestamente, ainda não vimos nada em torno desses movimentos académicos que nos despertasse a atenção na área dos videojogos. Noutras áreas há pessoas com um trabalho notável. Por exemplo, aqui na faculdade há o grupo de Química com o qual nós trabalhamos e eles estão a trabalhar numa área que pode ter um enorme impacto nos videojogos, que é a fotoquímica. Eles trabalham com tintas invisíveis que só podem ser vistas com câmaras especiais. E isso pode dar origem a visões completamente diferentes. Não podemos limitar-nos a determinadas áreas. Em algumas áreas há pessoas que estão a fazer um trabalho que parece ser irrelevante, mas que pode ser relevante neste caso específico dos videojogos. Eu acho que nós aqui temos um radar enorme que nos permite ver tudo o que se passa à nossa volta. Mesmo em Portugal há um grupo que fez um trabalho experimental muito giro, o SenToy do INESC, em que se manipulando um boneco se manipula um elemento virtual. E este é um exemplo, mas não creio que seja um desenvolvimento muito revolucionário. Eu acho que o desenvolvimento das tintas invisíveis e das câmaras, esse pode ser revolucionário. Nesta altura, o que nós precisamos sempre, e em qualquer campo, é de revolução. E a revolução surge onde menos se espera.